Arte que transforma

Eduardo Srur propõe pensamento sustentável em centros urbanos, discutindo poluição, desperdício e “progresso” das cidades

 

Eduardo Srur é um nome de relevância nas artes plásticas, não apenas pelas obras que produz, mas pelas discussões promovidas com suas instalações urbanas. O artista já fez intervenções nos principais rios de São Paulo – insalubres, diga-se de passagem –, questionou as mazelas causadas pelo desperdício de alimentos e está sempre de olho em novas formas de chamar atenção da população para questões relacionadas a sustentabilidade.

O Movimento Lixo Cidadão bateu um papo com Srur por telefone. Confira os melhores momentos.

 

MLC: Na “Virada Sustentável”, você participou com a instalação “Pintado”, que percorreu o Rio Pinheiros com um peixe-objeto. Como foi a recepção da iniciativa? O objetivo foi realmente questionar a falta de salubridade do rio, tornando o ambiente impróprio para a fauna?

Srur: O rio é impróprio para qualquer ser vivo. Não é mais um ambiente natural. Foi deformado pelo homem. Não houve sequer um projeto urbanístico, sem ter as mínimas condições de salubridade. O “Pintado” veio fazer essa provocação, justamente por ser um peixe nativo da região antes da poluição. A ideia é salientar de maneira lúdica a distorção da realidade. A recepção foi incrível. Quem não quer um peixe como esse em um afluente complicado como o Pinheiros?

 

MLC: Você é engajado na causa sustentável e já produziu diversas obras relacionadas ao tema, como a instalação “Trampolim”, nas pontes do rio Pinheiros. Como vê a questão “sustentabilidade x espaços urbanos”?

Srur: Temos que aceitar que ainda é uma questão incompatível na sociedade atual. O crescimento e o progresso não andam na mesma página da sustentabilidade. São Paulo cresceu muito e de uma maneira desordenada. Temos poluição sonora, um ar intragável, rios contaminados… Além disso, não há coleta seletiva adequada, falta mobilidade urbana e convivemos com pouca área verde. Quando se fala de progresso, não se pensa em algo associado com qualidade de vida. O Brasil tem menos de 50% de saneamento básico. Existe uma distância muito grande entre o que se fala e o que se faz.

Em linhas gerais, acho que é possível ter progresso sustentável, mas vivemos em uma sociedade arcaica. Atualmente, as energias renováveis vêm ganhando mais espaço. No entanto, ainda vivemos em um planeta que se ampara muito no petróleo como fonte de energia. Nosso pensamento em relação à natureza é distante. Estamos forçando a barra dos recursos naturais de todas as maneiras possíveis. Se existe uma possibilidade de futuro, não acredito que o Brasil seja um exemplo.

 

MLC: Seu ateliê fica em frente ao Rio Pinheiros. É um lamento trabalhar de frente para um rio que poderia ser navegável (ou até mesmo utilizado para nado e pesca), mas atualmente é imensamente poluído?

Srur: Não é um lamento, mas uma resposta. Vejo um espaço que poderia ter outro tipo de aproveitamento, de relação com a cidade. Como artista, preciso transformar a realidade. Já me acostumei, não no sentido acomodado ou passivo. Como lido com o rio com frequência, vejo tudo de uma maneira diferente. Mas é preciso dizer que a atual situação dos rios de São Paulo tira a autoestima da população. É motivo de vergonha e desprezo para o paulistano.

 

MLC: O projeto “Caçamba” questiona o desperdício de alimentos no país. Mesmo com muitos apontando essa questão, o problema persiste. Por quê?

Srur: Os principais fatores, no meu entendimento, são uma mistura de abundância com incompetência. Temos muita terra, frutas, legumes, água em excesso e vamos perdendo os recursos durante as etapas. Países que têm muito menos conseguem fazer render mais. Além disso, algumas leis te obrigam a jogar fora em vez de ajudar alguém necessitado. Isso é incompatível com um país tão desigual como o Brasil. É um problema cultural. O sistema produz muito e descarta em excesso.

 

MLC: A cidade é seu laboratório. Para aprimorar esses projetos, você lançou a Attack. Como você enxerga a relação de São Paulo com arte urbana?

Srur: As pessoas começaram a entender melhor a arte urbana a partir da minha trajetória na cidade. As experiências artísticas no espaço público abriram um precedente, um entendimento maior de arte urbana. Ao mesmo tempo em que o graffiti sempre esteve presente (São Paulo tem um núcleo muito forte de arte de rua), faltava um descolamento da parede. Faltava interferir na paisagem e na arquitetura no plano tridimensional. A intervenção urbana ganhou terreno e a Attack tornou-se uma empresa de gestão e planejamento das minhas intervenções. No entanto, ainda é difícil viabilizar porque a mentalidade das agências e empresas é engessada.

 

MLC: Você fez projetos em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Suíça, Argentina e França. Em alguma dessas praças, sentiu que houve mudança no comportamento da população, a partir da obra?

Srur: Isso não é mensurável, mas existe mudança. A arte transita em um plano lúdico, psicológico. O artista deve provocar estas reflexões. É uma plataforma de pensamento que não é tão racional. Posso dizer que, depois de algumas intervenções no rio Pinheiros, muitas pessoas me relataram que não conseguiram ver o rio da mesma forma. Ficou uma energia ali, invisível e presente.

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