Lixo urbano: responsabilidade compartilhada

O Movimento Lixo Cidadão lança a campanha “Lixo: isso também é da sua conta” por acreditar que, na gestão dos resíduos sólidos, todos somos protagonistas.

 

Desde o começo, o Movimento Lixo Cidadão levanta debates não apenas sobre a gestão de resíduos sólidos, mas também relacionados à sustentabilidade e seus três pilares (economia, sociedade e meio ambiente). Afinal, um assunto está diretamente relacionado ao outro – isto é, uma comunidade que não cuida bem do seu descarte terá problemas econômicos, sociais e ambientais. Diante desse cenário, estamos lançando a campanha “Lixo: isso também é da sua conta”, que luta pela democratização dos serviços de limpeza urbana para 100% da população.

Atualmente, 17 milhões de brasileiros não têm coleta de lixo na porta de casa – ou seja, são 6,8 milhões de toneladas/ano comprometendo a salubridade pública de nossas cidades e outros 30 milhões de toneladas/ano agravando o passivo ambiental do País, sem falar nos milhões de Reais gastos todos os anos para o tratamento de doenças oriundas da má gestão do lixo. Em um país continental como o Brasil, que conta com 206 milhões de habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esses números equivalem a 8% da população doméstica. É um quadro alarmante.

Nas duas últimas semanas, o Movimento falou muito sobre a segunda edição do Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU), realizado pelo Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana (SELUR) e pela PwC. Entre tantos pontos observados, notou-se que as cidades com performance mais exemplares e com pontuações mais altas no estudo tinham um denominador comum: arrecadações específicas para a gestão dos resíduos sólidos.

Na relação de municípios com mais de 500 mil habitantes, que engloba todas as capitais, as 12 primeiras colocadas adotaram esse formato para custeio da limpeza urbana. São elas: Maringá (PR), Niterói (RJ), Santos (SP), Rio de Janeiro (RJ), Caxias do Sul (RS), São José dos Pinhais (SP), Londrina (PR), Porto Alegre (RS), Uberaba (MG), Sorocaba (SP), Campinas (SP) e Santo André (SP). Além disso, cerca de 70% das cidades com arrecadação específica dispõem corretamente os resíduos, encaminhando-os para aterros sanitários.

Depois de repercutir resultados do ISLU, o MLC viu a necessidade de se estabelecer uma gestão do lixo nas cidades. Dessa forma, nossa atual campanha – “Lixo: isso também é da sua conta” – apoia uma arrecadação específica para o manejo dos resíduos sólidos. Não há como adiar a adoção de uma medida mais eficiente para a gestão do lixo em nossas cidades, que muitas vezes se veem obrigadas a colocar esse assunto em segundo plano, atrás de educação e saúde (sendo que esses setores são todos interligados), por ausência dos devidos recursos.

Com o crescimento da população, esse número de 17 milhões de brasileiros que não são atendidos pela coleta domiciliar deve subir. De acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos 2016, divulgado no final de agosto pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a geração de lixo no Brasil reduziu 2,04% em 2016 na comparação com 2015. No entanto, essa queda está associada à turbulência econômica do País e não à maior conscientização da população. Ou seja, com a retomada da economia, a produção de resíduos vai aumentar e vai ficar ainda mais difícil atender essa demanda.

 

Exemplos nacionais a serem seguidos

Já praticada por outros países – como os Estados Unidos, que cobram um valor fixo de cidadãos para prestar os serviços de coleta, transporte e disposição final –, essa modalidade de arrecadação específica se encontra em prática em diversas cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Salvador, Joinville, São José dos Campos e Florianópolis. Todas elas ocupam posições relevantes no ISLU.

Sorocaba, no interior de São Paulo, ocupa a 10ª posição na relação de municípios com mais de 250 mil habitantes do ISLU. A cidade conta com a arrecadação específica com fins de coleta e destinação desde 1979, por meio da Lei 2.005/1979. No final dos anos 1980, houve a terceirização do serviço de limpeza, implementada para aprimorar o atendimento das demandas municipais. A emissão da Taxa de Remoção de Lixo se dá pelo IPTU, sendo considerada pela Administração Pública um eficiente meio para custear os serviços.

De acordo com a Divisão de Limpeza Urbana da Prefeitura Municipal de Sorocaba, o manejo de resíduos é 100% coberto no perímetro urbano. A frequência também é respeitada. Outro ponto a ser enfatizado é que a cidade, com crescimento populacional anual médio estimado em 3,5% (ou seja, há aumento na produção de lixo), não enfrentou nenhum tipo de colapso em relação aos serviços. A coleta continua sendo realizada regularmente e com a mesma qualidade. Pode-se dizer, então, que o montante arrecadado cobre integralmente os serviços de coleta, transporte, tratamento e destinação adequada do lixo urbano. Tais mudanças, como a terceirização em prol do aperfeiçoamento, foram possíveis a partir da receita gerada com a Lei 2.005/1979.

Sorocaba utiliza como critério o volume de lixo produzido (quatro faixas: até 100 litros, 300 litros, 600 litros e acima desse valor, relativo ao dia da coleta) e total da área construída (metragem quadrada). O município ainda é conhecido por ter um IDH alto, que saltou de 0,579 (1991) para 0,798 atualmente, considerado elevado de acordo com o sistema de avaliação da ONU.

Outras cidades paulistas também adotaram a arrecadação específica, a exemplo de Araraquara, que figura em 7º lugar no Ranking de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Estado de São Paulo, e também de Americana, em 11ª posição na mesma relação, cuja arrecadação se encontra em vigor desde 2010.

 

Arrecadação específica: exemplos internacionais

Nos Estados Unidos, as taxas domésticas variam de acordo com as cidades – somente na Califórnia, oscila de US$ 5.11/mês em San Francisco a US$ 36.32/mês em Los Angeles – e também leva em conta outros critérios. Em San Diego, paga-se pela retirada de contêiner, enquanto Seattle inclui o valor adicional na conta de água; San Antonio possui um fee adicional de US$ 3/mês para retirada e destinação dos orgânicos domiciliares. Outro exemplo a ser notado é o da Itália, onde as taxas oscilam de acordo com o tamanho de cada propriedade somente, não considerando o volume de lixo produzido pelos moradores.

Na Irlanda, o sistema de limpeza urbana, privatizado em 2012, obedece outra lógica. A relação de coleta, transporte e destinação é feita diretamente entre consumidores e empresas. A população coloca seu material a ser descartado na porta de casa (nos chamados Bins, que têm cores diferentes de acordo com o tipo de lixo), respeitando um cronograma. Em cima de cada saco plástico, deve haver uma etiqueta com o nome de uma das 15 companhias autorizadas e os dados dos respectivos consumidores. Essas tags podem ser adquiridas em estabelecimentos comerciais. O não-cumprimento implica em multas, assim como a destinação inapropriada em outros pontos de Dublin, que conta com sistema de vigília com câmeras.

Diante de tantos exemplos positivos, a conclusão é que não há coincidência. Seja consciente e apoie a criação de uma arrecadação específica para resolver essa questão. Vamos tornar a gestão do lixo mais robusta, antes que o problema invada nossas casas.

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