Cidades brasileiras correm risco de ficar sem serviço de limpeza urbana

Levantamento realizado por entidades do setor mostra que o serviço está ameaçado por falta de pagamento por parte das Prefeituras

A situação de inadimplência generalizada das Prefeituras do país junto às empresas de limpeza urbana e gestão de resíduos está atingindo níveis alarmantes e pode levar a um colapso na prestação desses serviços. O valor devido pelas Prefeituras já atinge R$ 7,56 bilhões, segundo aponta pesquisa da ABRELPE (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais). Por outro lado, um levantamento feito pelo Selur (Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo) junto ao Portal de Transparência das prefeituras mostrou que a dívida pública no setor de limpeza urbana deve chegar a R$ 10 bilhões até o final do ano.

De acordo com a pesquisa da ABRELPE, 100% das empresas de limpeza urbana enfrentam problemas com a inadimplência das prefeituras. Porém, entre as 26 capitais brasileiras analisadas pelo Selur (exceto Florianópolis), já se constata um nível de inadimplência de 36% nos contratos dos serviços pelas prefeituras, índice que pode atingir 40% até o final do ano. De acordo com Márcio Matheus, presidente do Selur, “a estimativa é de que a recuperação dos créditos devidos demandará ao menos duas gestões municipais para ser alcançada, podendo levar o serviço de limpeza pública ao colapso se o Poder Público Municipal não atuar com responsabilidade nessa questão”.

Um dos impactos causados pela elevada inadimplência é a redução dos quadros de pessoal. De acordo com o levantamento da ABRELPE, cerca de 9 mil funcionários já foram desligados, ou seja, aproximadamente 5% da mão de obra direta do setor, e este número pode chegar a 30 mil demissões, o equivalente a 15% do total empregado pelas empresas privadas, se a inadimplência se mantiver. “A elevada inadimplência das prefeituras está impactando fortemente as empresas de limpeza urbana e o emprego”, alerta o diretor-presidente da ABRELPE, Carlos Silva Filho, ao acrescentar que 75% das empresas já promoveram demissões e outras 20% estão avaliando ou já tem previsão de cortar pessoal, segundo a pesquisa da entidade. “Os desligamentos apresentam um índice bastante elevado, e mostram a gravidade da situação já que essa medida geralmente é a última opção”, complementa o presidente da ABRELPE.

Em função desse cenário, quase 60% das empresas tiveram que recorrer a empréstimos bancários para manter suas atividades, segundo mostra a pesquisa da ABRELPE, e a situação de liquidez do setor está seriamente afetada. “Diante de uma dívida pública de R$ 10 bilhões, somente no presente exercício, as operadoras são obrigadas a contrair pesados empréstimos junto aos bancos, a juros extremamente elevados. Esta situação ameaça o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e a capacidade das empresas pagarem funcionários, fornecedores e prestadores de serviços”, diz Márcio Matheus.

“A principal justificativa das Prefeituras para esses atrasos de pagamento é a queda na arrecadação de impostos, seguida da falta ou redução de repasses de recursos federais e estaduais. Esse quadro é recorrente em todo final de exercício e se agrava nos finais de mandato municipal, demonstrando irresponsabilidade fiscal. E esse é justamente o ponto que mais preocupa, pois a situação econômica dos municípios não apresenta sinais de melhora”, explica o diretor-presidente da ABRELPE, ao destacar que o problema poderia ser solucionado com a criação de um sistema de remuneração desses serviços, como já se constata em outros países, e que por aqui já é aplicado em outros serviços públicos.

A população também está sendo impactada por essa situação, devido ao acúmulo de lixo decorrente da suspensão dos serviços de coleta. A pesquisa da ABRELPE aponta que 75% das empresas já suspenderam parte dos serviços prestados às Prefeituras, enquanto outros 25% estão prevendo fazê-lo ainda este ano. A situação afeta principalmente a população das cidades nas regiões metropolitanas, onde a geração (e o consequente acúmulo) dos resíduos é maior.

“Os efeitos dessa situação podem ser altamente danosos, para o meio ambiente e, principalmente, para a saúde pública, já que os resíduos acumulados nas vias públicas são fonte de vetores transmissores de várias doenças, como o mosquito da dengue e o Zika vírus, ainda mais no momento de temperaturas elevadas e alto índice de chuvas. Precisamos lembrar o quanto o país sofreu com essas epidemias há cerca de um ano, e a situação nem era tão grave como hoje”, alerta o diretor-presidente da ABRELPE.

A inadimplência verificada no setor agrava uma realidade já emergencial na gestão dos resíduos sólidos no Brasil, pois de acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, 76 milhões de pessoas não têm acesso a tratamento e destinação final adequada de resíduos, e sofrem diariamente com os impactos dos resíduos lançados em locais inadequados, o que além dos danos ambientais, onera consideravelmente os custos de tratamento de saúde, além de ser causa de um considerável índice de mortalidade, afetando principalmente bebês e crianças.

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