Cidades brasileiras que adotaram cobrança específica para serviço são exemplos na gestão de resíduos sólidos

Estudo revela que sustentabilidade financeira é um fator preponderante para determinar o bom desempenho em relação à gestão do lixo

Ah, nosso querido Brasil! Conhecido por suas praias maravilhosas, por suas riquezas naturais, por sua enorme…. concentração de lixões?

A realidade do país desanima até os brasileiros mais otimistas: o país ainda vive a emergencial situação de eliminar os 3.200 lixões a céu aberto, tipo de destinação inadequada de resíduos sólidos, proibida no país desde 1954 e hoje considerada uma das principais fontes de poluição do planeta. Lixões contribuem para o crescimento de doenças como leptospirose, febre tifóide, peste bubônica, tifo, infecções intestinais, alergias, dengue, zika e muitas outras, comprometendo gravemente a saúde das populações mais vulneráveis.

Com a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, lei assinada em 2010 que estabelecia pontos cruciais para o país, como a redução na geração de lixo, a reutilização, a reciclagem e disposição final ambientalmente adequada dos resíduos (o que significa a eventual erradicação de lixões e outros pontos de descarte irregular), o Brasil conseguiu caminhar da maneira sustentável e ecologicamente correta, estruturando aterros sanitários para a disposição final dos resíduos e universalização dos serviços de limpeza urbana, certo?

ERRADO!

A verdade é que, dez anos depois do prazo para o país eliminar esses grandes depósitos à céu aberto de lixo e doenças, grande parte dos municípios brasileiros estão ainda longe desse cenário, alegando não ter os recursos financeiros necessários para a eliminação dos lixões e consequente substituição por locais ambientalmente adequados para a disposição final, os aterros sanitários.

No entanto, não precisamos ser grandes gênios para entender o problema. Vamos fazer um simples exercício de lógica:

– Pagamos a taxa de luz para termos eletricidade ilimitada de qualidade em nossas casas;

– Pagamos taxa de água para termos acesso à água limpa e serviços de saneamento adequados todos os meses.

– Como esperamos ter um serviço funcional e assertivo sem que tenhamos uma verba especifica para destinar corretamente os resíduos, para a saúde da população e preservação do meio ambiente?

E, de fato, cidades que adotaram um modelo de custeio especifico para a os serviços de manejo de resíduos sólidos apresentaram grande evolução no quadro geral. Isso é o que revela o estudo A Sustentabilidade Financeira dos Serviços de Manejo de Resíduos Sólidos – Modelos de Cobrança ao Redor do Mundo”, desenvolvido em parceria pelo Ernst & Young e pelo Selurb (Sindicato Nacional de Empresas de Limpeza Urbana).

A pesquisa demostra que cidades brasileiras que adotaram algum tipo de verba especifica para o custeio da atividade separado do orçamento geral do município (que cobre integralmente, ou quase, os custos das atividades de coleta e tratamento de resíduos), deram um grande salto da efetividade nos serviços como cobertura da coleta, reciclagem e reciclagem (o que significa implementação de aterros sanitários eliminando os lixões).

Segundo Leonardo Silva, assessor econômico do SELURB e um dos autores do estudo, a sustentabilidade financeira é um fator preponderante para determinar o bom desempenho em relação à gestão do lixo. Atualmente, só 41,5% das prefeituras têm algum tipo de sistema de custeio, seja por taxa ou tarifa, para financiar os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.

Nas próximas semanas, vamos apresentar um pouco mais sobre os modelos de cobrança individualizada adotadas em algumas cidades brasileiras, cada uma aplicada dentro de suas realidades locais, que obtiveram sucesso e demonstram a necessidade de modernizar o modelo de sustentabilidade financeira dos serviços praticados no país.

O case de hoje: Joinville.

Joinville

Dados ISLU 2020 – 0,722

A cidade de Joinville conta com cerca de 583 mil habitantes e é um dos principais polos industriais do país. Para dar conta dos cerca de 277 quilos de resíduos gerados por cada habitante por ano, já em 2004 a cidade havia implementado a Tarifa de Limpeza Urbana (TLU), com objetivo de implantar a nova estrutura do aterro sanitário, modernizar os serviços e equilibrar a verba para a prestação dos serviços. Em 2012, publicou a primeira versão do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Município de Joinville.

Hoje, os serviços de manejo de resíduos sólidos da cidade são prestados na forma dos demais serviços do gênero (água, luz), com a cobrança da agora chamada Tarifa de Coleta de Lixo (TCL), cobrada pela própria empresa prestadora do serviço. Hoje, a tarifa é cobrada de cerca de 218.043 imóveis locais.

O valor anual que cada cidadão paga pela tarifa é de R$ 93,00, sendo que os serviços contemplados na TCL são:

– Coleta de Resíduos Sólidos Comuns (domiciliar);

– Coleta de Resíduos Sólidos Recicláveis (coleta seletiva);

– Coleta de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde (hospitalar);

– Coleta de Resíduos Volumosos;

– Destinação final ambientalmente adequada, por meio da ampliação, operação e controle tecnológico do aterro sanitário.

Para quem gosta de matemática, a tarifa é calculada bom base nos seguintes fatores: coeficiente de equilíbrio, frequência da coleta demandada, forma de agrupamento urbano dos locais de coleta, tipo de utilização (residencial, comercial, etc), porte (m²), e localização (classe de bairros) do imóvel, mais o valor unitário de referência, com destaque à adoção do princípio de equidade vertical para a população de baixa renda.

A implementação da tarifa permitiu diversos avanços para a gestão de resíduos sólidos de Joinville, tais como o maior aproveitamento na coleta seletiva (aumento de 176% na quantidade de toneladas aproveitadas), ampliação do aterro sanitário de Joinville, com prorrogação de 19 anos em sua vida útil, criação de oito galpões de reciclagem, com apoio às cooperativas de triagem; ações com foco em educação ambiental, trabalhos de conscientização, incluindo mais de 75 escolas municipais, nas quais são realizados projetos com temáticas voltadas aos resíduos sólidos, limpeza da cidade e preservação do meio ambiente. Há também ações de educação ambiental com mobilização popular, além da distribuição de materiais informativos para a população, com caráter educacional e objetivo de conscientização da cobrança de serviços.

Os avanços nos serviços de limpeza urbana com a implementação de uma cobrança específica foram tamanhos que a cidade ganha cada vez mais destaque no Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU). Na edição de 2020, Joinville apareceu em destaque e se aproxima cada dia mais das diretrizes estabelecidas pela PNRS.

“Implementar um sistema de cobrança em qualquer cidade é complexo porque somos um país com muitas desigualdades sociais. Neste sentido, é interessante o que foi feito em Joinville, que integra o top 10 das melhores avaliações no ISLU. A cidade catarinense é considerada modelo porque seu método de cobrança com valores diferentes determinados para cada região da área urbana permitiu que bairros mais pobres ficassem isentos da tarifa” explica Carlos Rossin, diretor de sustentabilidade do Selurb.

Em função dos bons resultados, o modelo de cobrança por tarifa de Joinville já se encontra replicado para cinco outras cidades do Estado de Santa Catarina: Balneário Camboriú, Itajaí, Itapema, São Francisco e São José, que apresentam o mesmo padrão de serviços.

Eficiência do serviço ISLU 2020:

1️⃣   272 kg/hab/ano – quantidade de resíduos per capita. Em cidades com mais de 250 mil habitantes que não implementa arrecadação específica, esse índice é de 365 kg/hab/ano.

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