Refúgio em uma pátria-irmã: conheça as histórias de dois angolanos que são agentes ambientais no Brasil
Não é novidade dizer que o Brasil é marcado por constantes movimentos de migrantes e imigrantes, que além da miscigenação acrescentam muitos sabores, aromas, sotaques, trejeitos e carisma à nossa cultura. Como diria Arnaldo Antunes, “somos o que somos, inclassificáveis”. Indígenas, africanos e europeus são a base do nosso povo, que vem ganhando “reforço” de sírios, haitianos, asiáticos, “hermanos” da América Latina e irmãos de outros países de colonização portuguesa. O Movimento Lixo Cidadão acredita no potencial que nasce da mistura e bateu um papo com dois angolanos que se mudaram para o Brasil em busca de novas oportunidades.
Nazuzi e Treseguet nasceram em Angola e, desde muito cedo, ouvem falar do Brasil: um país tão parecido – com um idioma que nos aproxima – e, ao mesmo tempo, tão distinto – nos distanciamos de Portugal, a mesma ex-Metrópole, com a qual Angola mantém laços. Há pouco mais de um ano, os dois fazem parte do time de agentes ambientais da Inova, que é uma das empresas responsáveis pela limpeza urbana de São Paulo (SP). Eles ingressaram na companhia a partir de um programa específico para recolocação profissional de refugiados no País, responsável pelo recrutamento de mais de 300 estrangeiros.
Nazuzi Mob João Armindo
Com apenas 20 anos, Nazuzi Mob João Armindo – ou Zuza, como ficou conhecido por aqui – nos conta, com um ar bem tranquilo, que foi aprovado para o curso de Engenharia de Produção de uma universidade de São Paulo. “Devo começar no semestre que vem”, estima. Na capital há um ano e oito meses, quando deixou família e amigos no seu país natal em busca de uma experiência no Brasil, esse jovem angolano começou na área de coleta e, em poucos meses, teve seu talento reconhecido, passando a desempenhar tarefas mais administrativas no alojamento da Inova no Brás. “Já que havia muita gente no espaço, eu ajudava o fiscal, que gostava da minha caligrafia. Com o tempo, passei a dar apoio em diversas funções, como no preenchimento do DDS (Diário de Segurança), na arrumação e no suporte à equipe”, afirma.
A rotina de Zuza não é fácil. Ele acorda às 4h para começar às 5h20 seu expediente no alojamento, onde fica até 14h20. Além de dormir pouco, ele concilia seu tempo com trabalho, leitura (sua biblioteca no Brasil tem livros como “O cortiço”, de Aluísio Azevedo, e “A lira dos 20 anos”, de Álvares de Azevedo), escrita (poesia), idas à Igreja (três vezes por semana) e, claro, bate-papo com a família por Whatsapp e Facebook. O angolano não descarta a permanência no Brasil. “Depende das oportunidades. Se o mercado for bom, eu fico. Caso contrário, posso voltar. Mas pretendo concluir minha graduação por aqui”, ressalta. Zuza tem ainda um outro sonho: empreender. Em São Paulo, divide um apartamento com o primo e afirma que ambos se “converteram” ao Corinthians.
Kiakana Lyeye Malongi Treseguet
Vivendo uma experiência semelhante, seu colega Kiakana Lyeye Malongi Treseguet, 35, faz parte do time de remoção da Inova há um ano e três meses. Natural de Maquela do Zombo, na Província de Uíge, o angolano cumpre o cronograma diário das 6h às 15h20 e conta como conseguiu esse emprego. Depois de três meses em período de adaptação na Casa do Imigrante, apareceu uma oportunidade. “Estava a dormir e um amigo me disse que a Inova estava a contratar. Foi tudo muito rápido. Fui bem recebido, sem complicação”, explica.
Treseguet vive em um apartamento de dois quartos em Itaquera com a esposa, que está grávida. Ela foi buscar as outras duas filhas do casal – de 6 a 10 anos, respectivamente -, em Angola, de onde retorna no final de agosto. “O Brasil é muito bom, mas moradia é algo caro”, opina o agente ambiental em bate-papo com o Movimento.
No seu país de origem, Treseguet trabalhou em diversas áreas, de pintor a motorista de táxi. “Em Angola, eu estava a conduzir veículos, mas tive um problema e não consegui mais. Minha mãe disse para eu viajar para fora”, complementa. Com o terceiro filho a caminho, o angolano, que nas horas vagas gosta de jogar futebol, tem planos. “Não vou sair daqui, não. Vou ficar para cá. No próximo ano, pretendo estudar”.