O difícil desafio de eliminar os lixões
Modelos internacionais apontam a regionalização dos aterros como a melhor solução
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, lei promulgada ainda em 2010, tem como sua principal resolução a erradicação dos lixões em todo território brasileiro. Quando aprovada, foi muito comemorada por ambientalistas e profissionais do setor, já que os lixões são uma das maiores fontes de contaminação do solo e rios.
Mas o que parecia ser uma boa notícia foi se transformando em um pesadelo para a maioria dos municípios brasileiros. Grande parte das cidades sofre em atender a medida proposta, uma vez que parece não ter condições de arcar com os custos da adequação para uma estrutura controlada e planejada para o recebimento dos resíduos.
Para se ter uma noção, a PNRS tinha como o limite máximo o ano de 2014 para que as cidades extinguissem os lixões, mas isso não aconteceu até agora. Se não bastasse tamanha imprudência com a questão, um adiamento do prazo para o fim dos lixões, desta vez para 2021, tem boas possibilidades de se tornar realidade, prolongando uma novela que tem acarretado graves prejuízos para a saúde da população e para o meio ambiente. O Projeto de Lei 2.289/15, que prorroga o prazo, teve sua tramitação em regime de urgência urgentíssima na Câmara dos Deputados aprovada no dia 11 de abril.
O fato é que estamos em 2019 e a proporção de lixão para aterros sanitários está longe de estar de acordo com a lei. O Brasil ainda conta com cerca de 3.000 vazadouros ilegais, enquanto os aterros sanitários são apenas 680. Mas a grande questão é: como esperar que os municípios brasileiros consigam se adaptar a nova norma, sem dispor do orçamento necessário para a erradicação dos lixões e manutenção de uma gestão adequada dos resíduos?
Regionalização dos aterros sanitários
De acordo com Carlos Rossin, engenheiro especialista em sustentabilidade e coordenador de diversos estudos sobre resíduos sólidos, para reverter esse quadro, o Brasil precisa dar um primeiro passo essencial na gestão de resíduos, que é erradicar os quase três mil lixões existentes no país e implantar uma rede regionalizada de aterros sanitários, empreendimento desenvolvido para tratar adequadamente os resíduos.
“É ilusão acha que é possível fazer reciclagem em um país continental sem buscar soluções de escala. A reciclagem só será possível quando houver viabilidade econômica, o que inclui incentivos governamentais, com isenções fiscais, e estrutura logística para tal. A primeira medida é desenvolver soluções logísticas que concentrem esses materiais, como ecoparques – que apresentam, também, a estrutura dos aterros legalizados. A partir disso, será possível diluir os altos custos logísticos e trazer viabilidade econômica para que os materiais recicláveis cheguem à indústria a um preço atrativo, como aconteceu nos EUA”, afirma.
De acordo com o especialista, o modelo mais adequado ao Brasil é o aplicado hoje nos Estados Unidos, por ambos serem países de extensão continental, com facilidade em geração de energia e disponibilidade de grandes espaços, entre outros aspectos que influenciam a viabilidade econômica das soluções para o setor. Com 20 mil lixões – praticamente um por cidade – na década de 1960, os Estados Unidos implementaram 2 mil aterros sanitários regionais em 15 anos e, com isso, passaram a utilizar a mesma estrutura de tratamento para diversas cidades, reduzindo os custos logísticos, viabilizando economicamente a reciclagem e a estruturação de plantas de geração de energia dentro dos aterros.
Hoje o modelo de tratamento de lixo dos Estados Unidos é referência.
Com a regionalização dos aterros, as cidades tiveram condição de arcar com os custos da adaptação das estruturas e fizeram grandes avanços para a eliminação de lixões de todo o país. Pelo gráfico, podemos analisar que, durante o período de regionalização, vemos uma relação bem clara entre o número de lixões e o índice de reciclagem – enquanto o primeiro diminuía, o segundo aumentou consideravelmente.
Outro ponto que vale analisar pela imagem é como o país progrediu em geração de energia a partir de lixo. Grande parte dos aterros dos Estados Unidos contam com tecnologia para a conversão do gás metano (advindo da decomposição do lixo) em energia limpa.
O aterro de Altamont, na Califórnia, é referência nessa prática. O combustível é derivado de lixo que residentes e empresas de San Francisco e Oakland têm despejado no aterro de Altamont desde 1980 (fruto da regionalização dos serviços de limpeza, coleta e tratamento entre as duas cidades).
Ele foi um dos pioneiros a converter biogás em energia elétrica. Ainda em 1989, o terreno em Altamont teve uma usina de energia elétrica abastecida por metano instalada em 1989 que pode alimentar 8.000 casas por dia.
Em 2005, o último ano que tem dados disponíveis, os projetos usando o metano de aterros constituíam 10,8% da produção de energia renovável no país, não incluindo a energia hidrelétrica, segundo a EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos).
Fonte: E-Cycle, Estado de S. Paulo