Decisão do STF põe em risco todos os avanços nos serviços de resíduos sólidos no Brasil

Ao retirar a gestão de resíduos sólidos da categoria de utilidade pública, decisão pode inviabilizar os aterros sanitários e levar ao aumento de lixões e locais ilegais de descarte no país

Será que é possível o Brasil caminhar para trás em todos os avanços conquistados na gestão de resíduos sólidos nos últimos anos?

Bom, se depender das decisões atuais, isso é possível sim. 😔

No início de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional o trecho do novo Código Florestal que tratava a gestão de resíduos como serviço de utilidade pública, para fins de utilização de Áreas de Preservação Permanente (APP’s). Se o acórdão for publicado na conjuntura atual, a decisão colocará em risco todos os avanços conquistados nos últimos anos, consequência da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sobretudo no que diz respeito à luta pela eliminação dos lixões à céu aberto em todo o País.

Entenda melhor como a decisão afeta o meio ambiente

O novo código propõe mudanças quanto ao uso de Áreas de Preservação Permanente (APP’s), que diferentemente das grandes áreas geograficamente delimitadas para defesa da biodiversidade e preservação de espécies em extinção, conhecidas como APA’s, são pontos difusos de mata ciliar com a função ambiental principal de proteger o solo e os recursos hídricos.

Isso quer dizer que ao decidir contrariamente à lei que os serviços de gestão de resíduos sólidos não são de “utilidade pública” para fins de uso de APP’s, o STF ignorou o fato de que os municípios brasileiros, titulares desses serviços essenciais para a proteção da saúde pública e do próprio meio ambiente, assim como as empresas por eles contratadas para coletar, transportar, tratar e destinar de forma ambientalmente adequada o lixo, não mais poderão implantar estações de transbordo, centrais de triagem, usinas de tratamento, aterros sanitários e outras soluções que, em razão do porte, perpassam ou tangenciam APP’s.

Se a decisão for assim confirmada, todos os aterros sanitários – que são complexas estruturas de engenharia planejadas para garantir a disposição ambientalmente correta dos resíduos sólidos – localizados em áreas de APP correm o risco de terem as atividades encerradas. O fato é que 70% das 795 centrais de tratamento de resíduos existentes no país estão em áreas de APP’s. Isso significaria que grandes capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba, Recife, Vitória, Teresina, Porto Alegre, Florianópolis e Aracajú não teriam mais para onde enviar os resíduos gerados todos os dias pela população.

 

“Ok, STF…..Então o que fazer com as cerca de 220 mil toneladas diárias e 80 milhões de toneladas anuais de lixo que não teriam local correto para descarte?”

O volume de resíduos sólidos produzidos por dia no país que não teriam para onde ir caso a medida não mudar equivale a 129 piscinas olímpicas repletas de resíduos por dia ou 2,4 montanhas de lixo com as dimensões do Pão de Açúcar a cada ano.

Podemos afirmar que hoje no Brasil quase não existe mais espaços disponíveis nas zonas urbanas para implantar tais infraestruturas operacionais de ecoeficiência, projetadas justamente para proteger o meio ambiente das contaminações geradas pela falta de controle ambiental sanitário da disposição de resíduos, e agora a interpretação dada pelo STF ao novo Código Florestal impede sua implantação em zonas urbanas ou  rurais onde existam matas ciliares, morros e nascentes perenes e intermitentes que conformam as APP’s.

A impressão é que, ao buscar proteger o meio ambiente da contaminação causada pelos lixões a céu aberto ou dos aterrados e cercados para controle de acesso, nos quais muitas prefeituras e pessoas, infelizmente, ainda descartam clandestinamente seus resíduos, deve ter escapado aos olhos da maioria dos Ministros a diferença entre eles, até porque essa percepção não está no cotidiano da população, cuja preocupação com o lixo se esgota com a coleta da porta de casa.

E ao terem confundido os conceitos, a decisão irá exatamente ter o efeito contrário. Com a “proibição” dos aterros, adivinha para onde vai o lixo produzido em todo o país?

Exatamente o que você está pensando! Para lixões a céu aberto e outras áreas clandestinas de descarte nas zonas urbanas e rurais, abrangidas suas APP’s e APA’s.   Como as outras alternativas tecnológicas tratam menos e a custos bem mais altos para as prefeituras e a população em geral, se não forem mantidos os atuais e criados novos aterros sanitários, aos quais os resíduos possam ser encaminhados para a destinação correta a custos viáveis para a realidade brasileira, todo o esforço da Política Nacional de Resíduos de combate os lixões e sua substituição por soluções ambientalmente adequadas cairá por terra, resultando no crescimento desses vazadouros ilegais e no surgimento indevido de um sem número de outros.

Acredite, esse é um grave problema que a sociedade brasileira vem tentando solucionar desde 1953, quando se proibiu por lei a disposição de lixo a céu aberto no País. Por mais estranho que pareça, ao longo desse período, cada vez que se estruturou avanços, a exemplo da PNRS, novos contratempos e dificuldades foram opostos, fazendo com que o Brasil ainda possua cerca 3.000 vergonhosos vazadouros ilegais, quando apenas cerca de 680 novos aterros sanitários regionais viabilizariam o fechamento de todos eles. Se não trabalharmos para que a situação se concretize e o STF reconsidere seu posicionamento, seremos obrigados a continuar convivendo com esse quadro absurdo, agravado pelo contrassenso inaceitável de que a proteção do meio ambiente e da saúde pública –  razão da essencialidade da gestão de resíduos no Brasil e em qualquer país do mundo comprometido com o desenvolvimento sustentável – não justificam o uso de APP’s para a consecução de tão relevante interesse público.

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