Saiba como o novo Código Florestal impacta diretamente a sua vida
Ao retirar a gestão de resíduos sólidos da categoria de utilidade pública, texto atual pode levar ao aumento de lixões no Brasil, fazendo o país ir na contramão mundial na garantia de uma legislação em prol do desenvolvimento sustentável
Este ano o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou as discussões sobre o novo Código Florestal, uma lei técnica, que foi muito debatida e terminou aprovada no ano de 2012, mas que mesmo assim teve disposições questionadas com ações de inconstitucionalidade. De acordo com especialistas no tema, ao mudar o texto do código, desconsiderando a utilidade pública da gestão de resíduos, a decisão do STF pôs em risco os avanços conquistados nos últimos anos e colocou em xeque a execução da Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010 (PNRS), sobretudo no que diz respeito à luta pela eliminação dos lixões à céu aberto em todo o País.
Para você entender como essa discussão, lá com os ministros do STF, pode afetar diretamente a vida da população, separamos um ponto de como ficará o texto do código, que merece muita atenção:
Gestão de resíduos sólidos e utilidade pública
O novo código propõe mudanças quanto ao uso de Áreas de Preservação Permanente (APP’s), que diferentemente das grandes áreas geograficamente delimitadas para defesa da biodiversidade e preservação de espécies em extinção, conhecidas como APA’s, são pontos difusos de mata ciliar com a função ambiental principal de proteger o solo e os recursos hídricos. Até aí tudo bem, porque traz benefícios para o meio ambiente, certo?
Mas, e quando a prestação de determinados serviços de utilidade pública demanda a utilização de alguns desses locais para a garantia do bem comum? Aí, o próprio código abre e diz quais são as exceções à regra, estabelecendo suas condições, assim como fez com a gestão de resíduos, dentre outros serviços.
Ocorre, que ao decidir, contrariamente à lei, que os serviços de gestão de resíduos sólidos não são de “utilidade pública” para fins de uso de APP’s – como se tratar e destinar corretamente o nosso lixo “não fosse tão importante assim” -, o STF ignorou o fato de que os municípios brasileiros, titulares desses serviços essenciais para a proteção da saúde pública e do próprio meio ambiente, assim como as empresas por eles contratadas para coletar, transportar, tratar e destinar de forma ambientalmente adequada o lixo, não mais poderão implantar estações de transbordo, centrais de triagem, usinas de tratamento, aterros sanitários e outras soluções que, em razão do porte, perpassam ou tangenciam APP’s. Corre-se o risco até mesmo de terem de desativar as infraestruturas que já foram autorizadas a funcionar junto a esses locais pelos órgãos ambientais.
O que fazer, então, com o lixo, se só de resíduos domiciliares o Brasil já produz por ano quase 80 milhões de toneladas, equivalentes a 1.200 Estádios do Maracanã cheios até o topo, quantidade essa que não para de crescer? Ora, quase não há mais espaços disponíveis nas zonas urbanas para implantar tais infraestruturas operacionais de ecoeficiência, projetadas justamente para proteger o meio ambiente das contaminações geradas pela falta de controle ambiental sanitário da disposição de resíduos, e agora a interpretação dada pelo STF ao novo Código Florestal impede sua implantação em zonas urbanas ou rurais onde existam matas ciliares, morros e nascentes perenes e intermitentes que conformam as APP’s.
A impressão é que, ao buscar proteger o meio ambiente da contaminação causada pelos lixões a céu aberto ou dos aterrados e cercados para controle de acesso, nos quais muitas prefeituras e pessoas, infelizmente, ainda descartam clandestinamente seus resíduos, deve ter escapado aos olhos da maioria dos Ministros a diferença entre eles, até porque essa percepção não está no cotidiano da população, cuja preocupação com o lixo se esgota com a coleta da porta de casa. Em abordagens anteriores já havíamos explicado essa distinção, mas diante do quadro reportado é oportuno repeti-la, porquanto os aterros sanitários foram a solução mundialmente adotada para erradicar os lixões, estancando os passivos ambientais decorrentes dessa forma medieval de disposição de resíduos.
Aterros sanitários, portanto, são centros de recebimento, disposição final e tratamento de grandes quantidades de resíduos a longo prazo, que obedecem a rigorosos requisitos ambientais de implantação e operação, como a impermeabilização do solo, para impedir sua contaminação e a do lençol freático, permitindo a captação e o tratamento do chorume, que é aquele líquido escuro que escorre do resíduos orgânicos; e, a captação e queima do gás metano, também resultante da decomposição orgânica, para reduzir o efeito estufa e as mudanças climáticas, as quais já vêm sendo largamente aproveitadas para geração de energia elétrica limpa, na forma de usinas de biogás. Em sua feição atual de ecoparques abrigam outras tecnologias de reaproveitamento de resíduos na forma de insumos para diferentes cadeias produtivas, base da moderna economia circular.
Totalmente diferente dos degradantes lixões, um aterro sanitário é uma obra ambiental de engenharia de grande porte e complexidade, que, por receber grandes volumes de resíduos provenientes dos municípios de uma determinada região, precisa de áreas adequadas a sua implantação e operação, espaços estes praticamente inexistentes nos centros urbanos, demandando por isso locais mais afastados, onde as APP’s são mais comuns, razão das exceções que o Código Florestal aprovado pelo STF faz para implantação das estações de captação e tratamento de água e esgoto, usinas de geração e torres de transmissão de energia elétrica, construção de rodovias e outros grandes empreendimentos, mesmo que não necessariamente tenham a finalidade de preservar o meio ambiente.
Sem aterros sanitários, para onde vai todo o lixo produzido no Brasil?
Exatamente o que você está pensando! Para lixões a céu aberto e outras áreas clandestinas de descarte nas zonas urbanas e rurais, abrangidas suas APP’s e APA’s. Como as outras alternativas tecnológicas tratam menos e a custos bem mais altos para as prefeituras e a população em geral, se não forem mantidos os atuais e criados novos aterros sanitários, aos quais os resíduos possam ser encaminhados para a destinação correta a custos viáveis para a realidade brasileira, todo o esforço da Política Nacional de Resíduos de combate os lixões e sua substituição por soluções ambientalmente adequadas cairá por terra, culminando na perenização desses vazadouros ilegais e no surgimento indevido de um sem número de outros.
Acredite, esse é um grave problema que a sociedade brasileira vem tentando solucionar desde 1953, quando se proibiu por lei a disposição de lixo a céu aberto no País. Por estranho que pareça, ao longo desse período, cada vez que se estruturou avanços, a exemplo da PNRS, novos contratempos e dificuldades foram opostos, fazendo com que o Brasil ainda ostente perante o mundo 3.000 vergonhosos vazadouros ilegais, quando apenas 448 novos aterros sanitários regionais viabilizariam o fechamento de todos eles. Se não trabalharmos para que a situação se concretize e o STF reconsidere seu posicionamento, seremos obrigados a continuar convivendo com esse quadro absurdo, agravado pelo contrassenso inaceitável de que a proteção do meio ambiente e da saúde pública – razão da essencialidade da gestão de resíduos no Brasil e em qualquer país do mundo comprometido com o desenvolvimento sustentável – não justificam o uso de APP’s para a consecução de tão relevante interesse público.